sábado, 14 de junho de 2008

Velha Infância

http://teoriaescrota.blogspot.com/2007/10/velha-infncia-parte-i.html


A

Um pássaro quebrando as vidraças e explodindo em meus ouvidos. No carro, o psicodélico reinava enquanto os palavrões dançavam abraçados contra o trânsito e a violência que, nas ruas, por sua vez, era uma correria que tornava as pessoas mais abstratas, desmanchando-se entre telões de propaganda e as piscadas que a lua transmitia para nós. Em casa, alguém não conseguia dormir, pois o cheiro da pipoca que pulava no vizinho e sua namorada era mais forte que teu sonho. Ao lado, na sacada, o barbudo tomava café e filosofava a madrugada. Nos bares, os casais rachando de rir. Suas bobagens eram tão ingênuas quanto um cachorro diante de teu dono. Ali. Ninguém percebia. Mas o nosso destino era ser cachorro. Certamente o mundo girava, sem cessar, ao nosso favor. Você, voltando pra casa depois de tanto trabalho e eu, no outro canto, cantando os coquetéis numa mesa de bilhar. Repito, ali, ninguém sabia. Mas se iniciava os primeiros passos para que as coincidências nos levassem para ao mesmo ponto. Nada mais nos comovia além da lua piscando no mesmo instante em que começara a música no radio e, ainda no mesmo instante, você se embebedando de um mundo interno no berço do teu livro e eu, preparando a ressaca com vodka. No mesmo instante, alimentávamos um vício. Mas não imaginávamos que o destino tomara conta de que meu vício era você, e teu vício, eu.

B

Ah! – um susto. A campainha me acordou. Sonhos estranhos têm me perturbado há muito tempo, talvez resolvendo confusões, talvez me criando novos convites ao tal do mundo interno. Cabelo estabanado. Corri, abri a porta, era o Marvin.

- 6 meses. É assim mesmo que você quer a vida?
- 6 meses? Nada! Parece que foi ontem que estive por aqui.

E entrou. Realmente nós dois não temos um tico de memória. Foi logo à instante de livros e procurou os novos, procurou saber o que eu andava lendo, como estava minha cabeça. Afinal, 6 meses podem transformar uma pessoa. E foi exatamente com essa figura que descobri o poder de um livro. (e foi com ele, também, que encontrei a graça do comportamento humano embora que, para isto, é necessária a paciência. Coisa que ele não tem).

- Ro, porque me trata assim? Minha memória falha, mas, não se lembra que nos vemos semana passada? No show do Cachorro?

O show do Cachorro! Semana passada? Parece que se passaram 6 meses! Tanta coisa aconteceu! É como se eu tivesse parado no tempo, ou o tempo em mim. Seis meses se passaram dentro de mim, em uma semana. Aquele sonho, aquele vício, talvez não fosse apenas sonho... talvez eu tenha mergulhado no mundo interno.



C

Estávamos tocando The Raconteurs no bar de sempre na Vila Madalena. Otto estava brilhando com o Sax. Raimunda no piano, parecia um pouco abatida mas logo entrou no clima. A noite estava linda. O nosso lance era bolar um repertório cheio de releituras e misturar os orgasmos sonoros com nossas adrenalinas, com as músicas menos esperadas.

É uma pena que a banda tenha durado pouco, uns dois anos. Depois o Otto decidiu que ia para o Marketing. Raimunda, engenheira às forças, decidiu seguir o dom para a pintura e as artes. E eu, a chaveirinho da turma, ainda terminando o Colégio. Ainda assim, a nossa super relação manteve-se de pé. O lance era toda sexta-feira na casa do Marvin; até que ele pirou a viajar pra lá e pra cá sem dar notícias, sumia de repente, voltava de repente. Mas toda semana, não importava o dia, nos reuníamos, nós cinco. Cinco? Sim, a Anne era a mais recatada. Namorou durante uns 5 anos e terminou não faz muito tempo. O que aumenta minha admiração pela guria é que não há lamentações em sua boca. Oasis o dia inteiro, ela adora! E ri! E procura um novo tema em seu cotidiano. Ela gosta mesmo é de viver.

D

A banda, como disse, não durou muito. Fez uma certa algazarra. Os bares lotados era motivo de mais festa! No dia que Anne terminou com o namorado, foi para nosso show logo em seguida. Ao ouvir uma leve melodia de gaita aos fundos, todos se encantaram! Era a Anne botando pra fora a partitura que construíra aos últimos 5 anos de sua vida. Não com revolta, mas com espírito passivo e esfomeado de novas melodias.

Chegamos na casa do Marvin, todos cansados. Dormimos no mesmo lugar que paramos. Um no sofá, outro no tapete, e a Raimunda não entrou. No dia seguinte, fui a primeira a acordar. Escovei os dentes e antes de apitar a sirene pra assustar a o pessoal, abri a janela, recebi o Bom Dia do Sol e fiquei a admirar aquele Domingo que nascia. De repente, um pássaro voava e voava muito perto da janela. Estranhei. O pássaro veio em minha direção e – POW! – O vidro se estraçalhou! Todo mundo acordou assustado e eu já estava em desespero com medo do passado, agachadinha no canto da sala tampando os olhos como se estivesse me escondendo. Quando vi que nada acontecera, abri os olhos e aquilo que passara pela janela, não era um pássaro monstruoso mas, uma pedra. Curioso, curioso.

Todos se arrumaram e sentiram a ausência de Raimunda. Abrimos a porta pra tomar um café na padaria e lá estava ela: sentada no corredor dos apartamentos dormindo como uma criança! Isso foi motivo de muita, mas muita risada! (O que a vodka não faz com uma pessoa?)

- Bom dia seu Juvenal! Vê um café bem forte pra nossa amiga aqui.

3 comentários:

Anônimo disse...

Café bem forte, que é isso que cura um ressaca!
Muito bom seu texto, adoro!

(L)
e um 'viva' a nossa amizade imortal!

Unknown disse...

:) Era o que eu procurava ler em uma madrugada , hahahhahah :D adorei o texto!

Ps: Também to precisando de um café bem forte aqui.

:)

Prachedes disse...

Eu acho sinceramente que você merece escrever um livro.

É difícilimo eu ler um texto assim e ter vontade de ler mais uma vez!
Fantástico!

Meus parabéns. Eu aposto em você.