quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Velha Infância - Parte I

O homem é feito das suas obsessões. Cheguei a essa conclusão depois de um dia cheio de Marvin, Otto e Raimunda. A Anne não compareceu a essa reunião, pois ela estava passando as férias com o namorado. E, eu não queria admitir, mas por entre indiretas, esse foi o nosso grande assunto.

- Como pode alguém viver preso a outro alguém? – Questionava Marvin.
- Não, meu camarada. A pergunta é: Como pode alguém viver sempre nos mesmos lugares? – Interrogava Otto.
- Rapazes, façam-me o favor. Como pode alguém viver com o mesmo sexo por tanto tempo? – Perdia o juízo a Raimunda e eu, meio quieta, só observando tudo no meu cafezinho.

Num jogo de cartas não deixávamos de forma alguma que alguém desvendasse nossos naipes, mas revelávamos a cada partida nossa ficha criminal: o nosso passado.

Marvin gozou dos seus romances e dos carnavais. Confesso, me perco nas historias desse vagabundo que só soube namorar durante toda a juventude que ainda o prende em corpos violões. Esse alguém que não se dá conta em acordes, em versos baratos que emitem um grande louco por evolução. Ele crê em suas teorias de se reencontrar, cada dia é um dia, uma etapa, uma fase alucinada. E cheia de tentação, ele sabe arrancar um sorriso de quem for, seja até apelando em beijos de piadas sem-graça. Ele é louco, não sabe o que fala. Mas crê em suas palavras, ele se sente um broto legal. Eis a questão. Seu conteúdo é bárbaro, mas de lua. Está sempre mudando, ele some e volta evoluído. Esse é o Marvin, um vagabundo que não sabe se adaptar em um só mundo.

Entre tantas táticas e crimes confessados, aparece Otto com seus olhares decadentes que quando fala não pede atenção. Ele é discreto e charmoso, misterioso. Guarda verdades na ponta da língua. Quando marcamos uma reuniãozinha qualquer, seja na padoca ou seja na porta de um show, lá está ele. Sempre 15 minutos antes, nos esperando com um cigarro no canto direito da boca carnuda, as pernas cruzadas e as mãos nos bolsos escondendo um corpo tatuado pelos Deuses. Hoje a reunião foi marcada na casa da Raimunda, (um assunto que tratarei em breve), e lá estava ele, exatamente 15 minutos antes das 9, batendo na porta da casa da rapariga. Entrou, acendeu o isqueiro e abriu as janelas para ser banhado pela lua. Ele estava um pouco estranho, talvez seja a falta de Anne, talvez seja esse amor de infância, talvez seja o chefe... Ah, o canalha do chefe dele! Ou então, família. Só sei que é fora de cogitação deduzir Otto. Mas suas expectativas estavam em alto astral, quando começou a falar, tirando a atenção de todos, nos contou sobre cinema e marketing... Abriu uma enquete sobre os diversos lugares que tem andado, viajado e até se perdido. Ô rapaz que se perde por esse mundo a fotografar de borboletas e raparigas à montes castelos e becos encantados. Mas logo percebeu que não ia escapar do confessionário e abriu a boca pra dizer o que por tantos anos procuramos descobrir: (Espero que o Sr. Juvenal não leia isso aqui) mas sim galera, foi o santo Otto que botou fogo na casa que fedia merda da esquina, a casa do vizinho mais rabugento da rua que contava para nossos pais que estávamos namorando atrás do muro verde, sim, por incrível que pareça, foi o Otto! Santo Otto, nunca mais o Sr. Juvenal nos dedou... Mas também, todos se mudaram, e da sociedade secreta sobrou, apenas, nós quatro. Nós quatro que agora se desmanchava, aos poucos, em três... Anne estava noiva de um cara sério e chato, e realmente, era esse o assunto que não saia da mesa e desmoronava nosso galã Otto.



(Cri-Cri... Cri-Cri...)

- TRUCO SEU FILHODAPUTA! – Subindo sob a mesa e gritando, gargalhando, essa era a Raimunda.

Marvin pega a tequila e joga na cara da garota sem dó, nem piedade. O jogo estava ganho e o prêmio era das mulheres. E nós, repito: e nós, eu e Raimunda, não deixamos barato para aqueles marmanjos. Assim como a dez anos atrás, os trancamos para fora de casa vestidos apenas de cuecas brancas e chinelos havaianas. Eles ficaram putos, assim como antes, mas foi muito divertido há, há, há... Na verdade, isso é uma idiotice. Mas a diversão está toda na fase que deixamos há dez anos, era como voltar no tempo. Só faltava a Anne.

Durante essas brincadeiras e conversas bobas, fomos descobrindo quem foi que pichou ‘eu te amo’ na delegacia, quem trancou o Marvin bêbado no quarto dos gays da republica, quem amarrou o Zé Gordo no banco do busão, quem passou merda na cara do nerd chato da rua e no volante do carro dele... Enfim, entre tantas outras desgraças causadas na vizinhança. Ali foi jogo aberto. E quando pensamos que não tinha mais nada a se duvidar, logo nos enganamos. Pois Raimunda não tinha se confessado ainda... E nem ao menos, eu.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Marvin pega a tequila e joga na cara da garota sem dó, nem piedade. O jogo estava ganho e o prêmio era das mulheres. E nós, repito: e nós, eu e Raimunda, não deixamos barato para aqueles marmanjos. Assim como a dez anos atrás, os trancamos para fora de casa vestidos apenas de cuecas brancas e chinelos havaianas. Eles ficaram putos, assim como antes, mas foi muito divertido há, há, há... Na verdade, isso é uma idiotice. Mas a diversão está toda na fase que deixamos há dez anos, era como voltar no tempo. Só faltava a Anne."
Era como voltar no tempo, so que em nova fase. Esse paragrafo me lembrou a gente em tantas fazes da vida, esses 10 anos, onde trancamos garotos dentro dos elevadores, rasgamos camisetas de meninos... É a força feminina infantil...

Anônimo disse...

Interligar passado, presente e futuro. Bruh, é incrivel como lembra desses momentos... É incrivel a simplicidade e a intensidade se lambendo em nossas historias!